quinta-feira, 15 de maio de 2008

O IPEA pode fazer melhor

O IPEA acaba de publicar o documento “Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição”. O documento é um festival de barbaridades (veja aqui).

Nas primeiras 4 das suas 16 páginas, os autores descrevem o suposto racismo da população brasileira. Tudo sem citar sequer uma fonte, um estudo, ou uma estatística. Ou seja, não há qualquer bibliografia ou dado concreto para que o leitor do documento do IPEA possa julgar por conta própria a validade histórica do que está sendo dito.

Após vagas e genéricas acusações de racismo, o documento mostra a evolução da proporção da população negra em relação à população total do Brasil e conclui que em 2010 a maioria da população do Brasil será negra. É claro que o documento nem mesmo tenta definir o que ele considera como sendo uma pessoa negra. Pelo que pude entender, o(s) autor(es) consider(am) como sendo negra toda a população negra e parda, como definidas pelo IBGE. Ora, por que incluir os pardos entre os negros? São eles também vítimas do racismo? Qual é a evidência disso? Como podem imaginar, nenhuma evidência é dada.

Na sua quinta seção o documento finalmente resolve mostrar alguns dados. O problema é que a análise é tão ruim que talvez fosse melhor ficar nas generalidades. Vamos lá. Ele começa admitindo que a política generalista de universalização da educação foi um sucesso em diminuir a desigualdade entre brancos e pretos: em 1976 a diferença na taxa de alfabetização entre brancos e negros aos 16 anos de idade era de 13,9%, em 1987 de apenas 2%. O problema é que o documento conclui que políticas universalistas não funcionam porque o acesso dos negros ao ensino superior ainda é baixo e muito menor do que o dos brancos. Ora, o problema não parece estar nas políticas universalistas em si, mas sim na falta de universalização do ensino superior, o que afeta a todos os pobres, e não apenas os negros.

Mas a coisa fica mais complicada. Os autores calculam que na década de 80 um branco ganhava em média 2.4 vezes mais do que um negro. Mostram ainda que a partir de 2000 essa desigualdade começou a cair e hoje se encontra por volta de 2,1. Para os autores, isso é o resultado de políticas universalistas como o Bolsa Família ou mesmo o simples desenvolvimento econômico. Os autores então calculam que nesse ritmo demoraria 32 anos para que a renda média do negro fosse igual à do branco, e portanto, políticas afirmativas são necessárias. Mas caramba, a preocupação dos autores é apenas com os negros pobres. Como ficam o brancos pobres? Querer priorizar um e não o outro não constitui racismo?

Os autores clamam por políticas afirmativas. Porém, em 16 páginas são incapazes de mostrar de que maneira políticas afirmativas seriam mais eficientes que as atuais políticas. Não mostram as evidências de outros países com políticas afirmativas e nem mesmo avaliam o grau de sucesso da política de cotas em universidades como a UERJ, que já adota cotas desde 2003.

O documento ignora estudos do próprio IPEA, como o do economista Rafael Guerreiro Osório, que conclui que a origem social, e não a cor da pele, é o principal fator na determinação do acesso à educação, apesar de reconhecer que a cor também influencia (veja aqui).

Infelizmente estudos como esse parecem mesmo ser a regra no governo petista. Primeiro vem a conclusão e depois a pesquisa. Falta seriedade e competência. O IPEA não merece isso*.

*Para quem quiser ler mais sobre o tema recomendo o excelente Não Somos Racistas, do Ali Kamel (aqui).

Um comentário:

Anônimo disse...

Apoiado! Hoje, inclusive, saiu no Globo um excelente texto do Demétrio Magnoli a respeito dessa lamentável pesquisa do Ipea.
http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=4614