Semana passada o Supremo autorizou a pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil (veja aqui). Abaixo reproduzo a opinião de um grande amigo sobre o tema.
1) O que a Ciência tem a ver com isso?
A Ciência -- entendida como ciência biologica -- municia o Direito com um marco zero, um momento a partir do qual uma coisa, ou um ser, ou uma pessoa, ou o que seja, tem um "pai" e uma "mãe". Há então ao menos três sujeitos envolvidos, e como se sabe, bastam dois para que haja litigio. A partir daí o que a Ciência faz é identificar processos e só. Ou seja, se não for por uma razão utilitarista, de que vale a Ciência definir categoricamente que a vida começa na concepção, na nidação, na formação do sistema nervoso ou mesmo no nascimento? Ambos os lados envovidos na questão dizem ter a Ciência consigo mas temo que -- nesse quesito -- a mesma não pode, não deve e nunca vai estar do lado de ninguém pois foge totalmente a seus fins.
2) O que a religião tem a ver com isso?
Entre pessoas contrárias a pesquisas com CTE, existem católicos, judeus, evangélicos e mesmo ateus ou agnósticos. Sei disso porque conheço ao menos dois individuos em cada um desses times. Enfim, a questão é "laica" e "opinável" como bem insistiu a mídia. O triste é constatar que o único setor da sociedade a encarar o assunto de forma realmente "religiosa" é a propria mídia. Pontificou que as tais pesquisas sao a nossa "salvação", e que "vá pro inferno" quem pensa diferente...
3) "Células inviaveis", "Não é vida humana" ou "Fins justificam meios"?
Todos os argumentos que vi pró-pesquisa com CTE se fundamentam em um dos 3 principios acima. O primeiro expirou cedo posto que ha células declaradas "inviáveis" que se mostraram viáveis depois. O segundo é valido mas traz como corolário a necessidade de se postular quando a vida começa, e aí sinceramente não vejo tanta diferença entre 14 dias ou 9 meses. Quem define que a vida começa aqui ou acolá é porque quer intervir antes. Ao contrário, os que se opoem à interrupção da vida a qualquer instante não o fazem por postularem que a mesma começa na concepção, mas simplesmente por se verem incapazes de dizer quando ela começa, o que me parece bem mais prudente. Sobraria entao o terceiro principio, dito fascista por muitos, mas talvez justificavel em alguns casos. A meu ver, porém, vai de encontro ao "direito a vida".
4) O que é o "direito a vida"?
Não sei, mas seja lá o que for, pertence ao sujeito e mais ninguém. O argumento de que as tais pesquisas tem o consentimento dos "doadores" não procede. Os "doadores" são o que em linguagem comum se chama "pais da criança" e é logico que esses não podem dispor sobre a vida da mesma. Neste sentido, é dificil que todo esse tema não evoque as "pesquisas" feitas com judeus em campos de concentração, a título de exemplo. Lógico que seria uma barbaridade estabelecer um paralelo nesse caso. Há muita gente nobre que defende pesquisa com CTE, e os motivos, não menos nobres. Ha uma diferença brutal entre as circunstancias. Mas vale lembrar que em ambos os casos se abre mão da prerrogativa de que vidas mais fortes não tem o direito de arbitrar sobre vidas mais fracas, seja porque o são de fato, seja porque desarmadas...
5) Qual o limiar da nossa compaixão?
Uma mulher abandonou um bebê recém-nascido na Lagoa da Pampulha e foi tratada como assasina por todos os jornais. Ninguém perguntou se o bebê era anencéfalo, se nasceu de estupro ou se se tratava de uma gravidez indesejada. Dois dias antes e a "assassina" seria "uma mulher cujas opções devem ser respeitadas". Posso parecer um ET mas honestamente não vejo tanta diferença entre um bebê intra ou extra útero. A tese de que o "embrião não é pessoa e nem pode ser amado" afronta um pouco o costume agora comum entre casais de "documentar a gestação". Se fosse possível detectar o dia da concepção, qual é o casal que não gostaria de uma foto do filho ainda zigoto?
6) Quem vai se beneficiar da Lei?
Confesso que fiquei decepcionado vendo o abismo existente entre o que a midia promete e o estado da arte em pesquisas com CTE em países, mesmo desenvolvidos, onde não há restrição. Pior, sao cientistas seríssimos, de curricula invejáveis, o que só agrava a situação. Isso sem falar na relação embriões estimados por caso vis a vis estoques atuais. De onde vai vir tanto embrião? Quem vai fornecer? Quanto vai custar?!! Concordo plenamente que, em matéria de Ciência, sempre vale a pena esperar. O que não impede um certo dissabor. Os doentes que queremos curar talvez só se beneficiem da lei se viverem 500 anos, e alguns poucos podem lucrar muito em menos de 5...
7) Porque não investir mais em pesquisa com células tronco adultas?
O Brasil já é referência em pesquisas deste tipo. A decisão do Supremo vai dividir esforcos e dispendio. Começamos atrasados e em assunto sem garantia de retorno científico num futuro próximo. E a gente bem sabe que no Brasil, não é que sobre dinheiro pra pesquisa....
8) O que nos sensibiliza mais?
Claro que comove ver os tantos doentes presentes na sessão do Supremo. Mas me pergunto se não me comoveria mais ver na mesma sessão o tal garoto declarado "célula inviável" e que não estaria lá se tivesse sido "doado à pesquisa". Sinceramente não sei responder. Mas sei que o primeiro sentimento se baseia em uma esperança, o segundo é absolutamente real.
9) O que o Supremo decidiu?
Inúmeras coisas, mas, bem ou mal, avançou em pelo menos 14 dias o limite de respeito a vida. Paises avancados já o avancaram mais longe antes; e paises mais avançados talvez o avancem ainda mais no futuro. O que nos cabe a cada um de nos é julgar é se isto realmente constitui um avanço.
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